Na escola, quase não se fala sobre as comunidades afrodescendentes e os seus idiomas presentes na América Latina e no Caribe. Porém em Cuajinicuilapa, uma cidadezinha mexicana à beira-mar perto de Acapulco, existe uma comunidade afro-mexicana cheia de vida. Já na América do Sul, os afro-peruanos e afro-bolivianos ajudam a formar a diversidade cultural das suas nações. Músicas marcantes e estilos de gastronomia famosos no mundo todo, como os de Cuba, Porto Rico e República Dominicana, também têm raízes na África. Mas como surgiram essas sociedades negras e como elas desenvolveram línguas e culturas tão diferentes umas das outras?

Ilustração do planeta Terra com os continentes na cor verde, conectados por balões de fala brancos. A África e a América do Sul estão no centro. A Terra está sobre um fundo preto com brilhos vermelho, amarelo e verde, que se parecem com estrelas vistas a distância.

Milhões de africanos foram levados à força para as Américas do Norte e do Sul, onde foram submetidos a trabalho escravo. Nesse processo, foram obrigados a deixar para trás boa parte dos seus idiomas e costumes — e tiveram que criar novas formas de se comunicar em lugares desconhecidos, nos quais acabariam vivendo para sempre. Pessoas que falavam línguas diferentes eram colocadas juntas de propósito, com o objetivo de evitar que se organizassem e se rebelassem. Diante desses obstáculos, surgiram dezenas de novas culturas e idiomas, como gullah, patoá jamaicano, crioulo haitiano, crioulo belizenho e crioulo da Costa dos Mosquitos; além disso, nasceram três línguas bastante peculiares: garífuna, palanquero e papiamento.

O povo garífuna é descendente de africanos que, durante o período da escravidão, chegaram de diferentes maneiras à ilha de São Vicente, no Caribe, principalmente enquanto fugiam das pessoas que os escravizavam em ilhas vizinhas. Na época, São Vicente era habitada por povos indígenas que se identificavam como “kalípona” e falavam um idioma com características do aruaque e do galibi, duas línguas originárias do norte da América do Sul. A preservação de certos padrões de pronúncia dos idiomas africanos não só ajudou os garífunas a manter a sua identidade linguística, mas também explica como a palavra “kalípona” passou a ser pronunciada “garífuna”. Depois de serem expulsos de São Vicente, os garífunas se estabeleceram na costa da América Central e hoje muitos deles são trilíngues: falam garífuna, espanhol e inglês, por causa do contato com comunidades de Belize, Guatemala e Honduras. Atualmente, há uma grande população garífuna nos Estados Unidos, em especial no Bronx (na cidade de Nova York) e em Los Angeles. Na verdade, agora há mais garífunas vivendo nos EUA do que na América Central.

O palanquero é um exemplo de idioma crioulo de base espanhola falado na região de São Basílio, na Colômbia. Via de regra, quando uma plantation (latifúndio que utilizava mão de obra escrava na produção agrícola) era tão grande que os africanos escravizados não tinham acesso direto à língua dominante, eles criavam um novo idioma com poucos traços identificáveis daquela língua. No entanto, como o palanquero surgiu em meio às pessoas que fugiram da escravidão e se estabeleceram em uma região isolada, durante muitos anos esse idioma foi uma mistura de línguas bantas africanas com a língua indígena local. Com o tempo, o palanquero incorporou mais elementos do espanhol devido ao contato com outros falantes da comunidade. Assim como acontece com o garífuna, hoje existem diversas iniciativas voltadas à preservação do palanquero.

As origens do papiamento ainda são motivo de discussão, mas os pesquisadores concordam que ele tem como base os idiomas da Península Ibérica (espanhol e/ou português). Nascido na ilha de Curaçao e mais tarde difundido em Aruba e Bonaire, o papiamento foi sendo enriquecido com muitos elementos linguísticos africanos, trazidos por sucessivas levas de pessoas escravizadas. A partir de meados do século 17, o contato com os colonizadores holandeses também influenciou o desenvolvimento dessa língua. Atualmente, quem fala esse idioma muitas vezes também fala holandês e espanhol.

Mesmo nas situações mais traumáticas, os seres humanos sempre encontram uma forma de se comunicar. As línguas crioulas, incluindo as três que discutimos neste post, são sistemas linguísticos completos, criados a partir das adversidades e da resiliência dos povos africanos. Elas não são dialetos nem simples variações de idiomas europeus, mas sim línguas com gramática complexa e totalmente capazes de expressar até as ideias mais abstratas.

Saiba mais sobre os idiomas crioulos utilizados pelas comunidades negras na América Latina e ouça exemplos de fala:

Michelle Ocasio é professora associada de ensino de inglês para falantes de outras línguas (TESOL, na sigla em inglês) e de espanhol na Universidade Estadual de Valdosta, nos EUA. Ela concluiu o doutorado na Universidade do Missouri em 2011, com foco em linguística de contato, particularmente entre culturas afrodescendentes. Em 2009, passou um ano em Livingston, na Guatemala, como bolsista do Programa Fulbright, pesquisando a história da língua garífuna e escrevendo a sua tese sobre esse mesmo assunto. A Dra. Ocasio sempre se interessou por tecnologias inovadoras, em especial aquelas ligadas ao ensino de idiomas. Entre os seus interesses atuais, está o uso de realidade virtual e realidade aumentada como ferramentas para a prática de conversação em outras línguas.